Realidade

Rua passa a ser o refúgio de quem perdeu tudo

Nem todas estão associadas ao uso de drogas; desemprego também é um dos motivos para o aumento de casos

Paulo Rossi -

A reboque do desemprego que aumentou com a crise econômica, o número de moradores de rua cresceu em Pelotas. Pelo menos 15% das pessoas nessa situação que frequentam o Restaurante Popular (RP) são recém-chegadas, informa a ONG Gesto, que administra o estabelecimento. Nem todos são usuários de drogas, mas têm dificuldade em se estabilizar, ingressar no mercado de trabalho e retornar ao ambiente familiar.

Conviver com a violência potencializa a vulnerabilidade e a inclinação ao uso e à dependência de drogas, acentua o coordenador técnico da Gesto e administrador do RP, Maiquel Fouchy. Abordados pelos redutores de danos da ONG, os beneficiados com o serviço de segurança alimentar não atendem ao perfil de uso de drogas dependente, mas sim recreativo. Há ainda um grupo que não é usuário.

Invisíveis à grande parte da população, que passa apressadamente por eles como se fossem parte da paisagem local, os moradores de rua que não aderem aos serviços disponibilizados pela rede municipal e a ONGs acabam à margem da sociedade. Com poucas exceções, são fruto de desajustes familiares e têm problemas com álcool e outras drogas.

Muitos preferem e se acostumam à vida que levam porque não conseguem mais se enquadrar em regras de instituições onde poderiam dormir. Não trocam a cama improvisada no chão gelado por uma quente em lugar abrigado e tentam convencer a si mesmos que existem problemas nas instituições para onde seriam levados, com os quais não compactuam. Isso dificulta a existência de uma estatística geral oficial na cidade.

Uma dupla de moradores de rua aceitou conversar com a reportagem do Diário Popular. Enquanto saboreavam uma ambrosia de pote, contaram como chegaram a essa situação. Marco Aurélio Silveira Gonçalves, 45, chegou primeiro. Faz três meses que "mora" no mesmo local, na frente de uma casa fechada há anos. Roger Haro da Silva, 22, foi convidado por ele a vir depois. Coisa de um mês e meio.

Nenhum dos dois tem uma história que se pode chamar de amena. A mãe de Roger era dependente de crack (ele também usa) e vendeu tudo o que tinha dentro da casa que moravam, no loteamento Getúlio Vargas, e perderam quando o padrasto morreu. Foram parar na rua, a mãe os três filhos. Ela morreu em seguida por problemas decorrentes da droga e os irmãos foram "distribuídos" a familiares. Roger não quis ficar com uma tia "porque não se dava bem" com ela. Preferiu a rua, conta, enquanto aperta um objeto nervosamente entre as mãos.

Marco Aurélio teve uma trajetória com mais ganhos e uma vida boa, financeiramente falando. Mas o pai bebia muito e ele decidiu ir embora. Ficou fora 15 anos e quando voltou, já com a mãe e a avó falecidas, o pai havia vendido todo o patrimônio (terras onde plantavam cebola em São José do Norte e a casa da família em Rio Grande) e gasto tudo. "Só sobrou o chalé que que eu fiz nos fundos do pátio dele, mas tive que sair", relata.

Nesse período Marco Aurélio trabalhava como padeiro e confeiteiro, que é a sua profissão, em uma padaria de Rio Grande. Perdeu o emprego após o patrão também perder a paciência com o pai dele, que ia todos os sábados no estabelecimento, bêbado. Pai de uma menina de dois anos que mora com a mãe, Marco Aurélio fala que precisou sair de casa porque as brigas com o pai estavam ficando cada vez mais sérias. Hoje cuida carros à noite e cata latas. Do que ganha diz primeiro tirar para o leite da filha. A sobra gasta com coisas boas que gosta de comer (mostra o pote de ambrosias na primeira vez que ensaia um sorriso).

Com as latas consegue pouco. É preciso arrecadar um quilo para conseguir R$ 2,50. "Tenho que juntar muito", fala. O amigo Roger, que até então já estava em silêncio há um bom tempo, se manifesta quando o assunto é dormir na Casa de Passagem do munícipio. "Já me acostumei na rua", afirma. Marco Aurélio não retruca, porque pensa o mesmo. Ambos usam algum tipo de droga, mas não deixam de se alimentar. Roger começou a comer melhor neste um mês e meio ao lado do amigo. Admitiu que passou por um período em que se só se drogava.

Mas mesmo preferindo a rua atualmente, ambos gostariam de voltar a ter uma casa. "Tenho vontade de mudar de vida, ir para uma casa morar, arrumar um serviço, fazer meus documentos de novo", comenta Roger, que diz ter perdido tudo em um incêndio. Marco Aurélio queria poder construir uma casa e garante que ergueria um chalé, se conseguisse o material. Uma oportunidade apareceu recentemente de emprego, no Fragata. Perdeu porque não tinha residência fixa.

Atendimentos disponibilizados
O centro da cidade está cheio de pessoas como Roger e Marco Aurélio, gente dormindo em lugares até então não "habitados" e onde já havia moradores de rua, como na avenida Bento Gonçalves. Vários pedem dinheiro ou comida, nas ruas ou em porta de bancos. Mas não existem números oficiais gerais, até porque a estatística teria de vir de órgãos assistenciais municipais e grande parte das pessoas em situação de rua dispensa esses serviços. 

No Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua (Centro Pop), a média se mantém de 105 atendimentos ao mês. No local, que trabalha juntamente com a Casa de Passagem, os usuários têm café da manhã e da tarde, banho, espaço para lavagem de roupa, trabalhos em grupo e atendimento em psicologia e assistência social. Convênio com as ONGs Gesto e Vale a Vida, por meio do Serviço

Especializado de Abordagem Social da prefeitura, vai viabilizar 80 abordagens mensais para encaminhamento dessas pessoas aos atendimentos da rede: Centro Pop, Casa de Passagem, Consultório de
Rua, entre outros.

A Gesto também tem firmado com a Secretaria Municipal de Assistência Social convênio para disponibilizar 375 refeições ao dia e menos de 30% dessas refeições são servidas de forma gratuita ou por valores inferiores a R$ 1,00. Essa realidade de não pagantes, conforme Fouchy, é um fator que chama a atenção, pois envolve pessoas em situação de rua, trabalhadores de rua de Pelotas e de outros municípios e até de outros países, que recorrem à cidade em busca de sua sustentabilidade. Essas pessoas também recebem refeições servidas por outras entidades, como a Associação Amigos do Carinho (Amica), Sopão de Rua e vários grupos de voluntários.

A supervisora do Centro Pop, Taís Furtado Mendes, confirma: um grande número de pessoas em vulnerabilidade prefere não contar com os serviços para não obedecerem as regras. O banho, por exemplo, é um dos entraves. Outro projeto, o Segunda Chance, já em andamento, viabiliza postos de trabalho em empresas interessadas em oportunizar vaga a essas pessoas. Pelo telefone (53) 3222-1587 as firmas interessadas podem entrar em contato para disponibilizar vagas.

No Albergue Pelotense Adolfo Fetter a média de usuários se mantém em 25 pessoas por noite. Lá é exigida apresentação de carteira de identidade e folha corrida, dois critérios que afastam muitos moradores de rua por não terem documentos ou por problemas com a Justiça.

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